quarta-feira, novembro 30, 2005

Cruzado

Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, foi hoje entregue a Mário Cesariny, principal representante do Surrealismo português. Além de poeta, romancista, ensaísta e dramaturgo, também se dedicou às artes plásticas, sobretudo à pintura. Nasceu em 1923.





A um rato morto encontrado num parque

Este findou aqui sua vasta carreira
de rato vivo e escuro ante as constelações
a sua pequena medida não humilha
senão aqueles que tudo querem imenso
e só sabem pensar em termos de homem ou árvore pois decerto este rato destinou como soube (e até como não soube)
o milagre das patas — tão junto ao focinho! —
que afinal estavam justas, servindo muito bem
para agatanhar, fugir, segurar o alimento, voltar
atrás de repente, quando necessário

Está pois tudo certo, ó "Deus dos cemitérios pequenos"?
Mas quem sabe quem sabe quando há engano
nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer
que não era para príncipe ou julgador de povos
o ímpeto primeiro desta criação
irrisória para o mundo — com mundo nela?
Tantas preocupações às donas de casa — e aos médicos — ele dava!
Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?
Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar
e passou nela a roda com que se amam
olhos nos olhos — vítima e carrasco

Não tinha amigos? Enganava os pais?

Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido
e agora parado, aquoso, cheira mal.

Sem abuso
que final há-de dar-se a este poema?
Romântico? Clássico? Regionalista?

Como acabar com um corpo corajoso e humílimo
morto em pleno exercício da sua lira?

Mário Cesariny

1 Comments:

Blogger Monalisa said...

"a sua pequena medida não humilha
senão aqueles que tudo querem imenso". Gosto de pensar que as coisas que nos fazem felizes são tão pequenas, tão pequenas que a maior parte das pessoas acha parvas ( do latim parvus,a, um=pequeno ). Beijos mil.

1/12/05 20:23  

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